quarta-feira, 21 de maio de 2008

Nosso dinheiro, de quem é?

O caso é grave e precisa de soluções rápidas. A viagem feita a Europa pelo governador Cid Gomes (PDT) e sua comitiva que incluía até sua sogra ganham a cada dia proporções maiores. Destaques em revistas, jornais e emissoras de televisão em todo país, a famigerada viagem está constantemente em discussão. Na Assembléia Legislativa o assunto não para quieto. O deputado Heitor Ferrér (PDT) é um dos mais ferrenhos e está batendo de frente para que o governo preste declarações e discorra sobre o caso. Hoje a viagem em vôo fretado com dinheiro público, se ramifica além da esfera política e ganha os corredores do Ministério Público. O objetivo é que o governo devolva aos cofres públicos, R$ 166.541,13, o restante das informações da viagem que não foram esclarecidas, e uma investigação para haver se houve improbidade administrativa por parte da cúpula governista. Além disso, o representante do PDT pede que o governador que restitua ao estado R$ 55.513,71 pelos passageiros que estivam em sua comitiva e que não fazem parte da administração estadual. Se levar adiante a proposta de CPI é possível que fracasse, porque a oposição não contaria com as 12 assinaturas necessárias para levar o caso a Mesa Diretora. O imbróglio se duvidar, dura mais que as horas de vôo do governador para o velho continente.

Este é mais um caso que chamamos de Patrimonialismo. O Patrimonialismo é a característica de um
Estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado. Foram comuns em praticamente todos os absolutismo. O monarca gastava as rendas pessoais e as rendas obtidas pelo governo de forma indistinta, ora para assuntos que interessassem apenas a seu uso pessoal (compra de roupas, por exemplo), ora para assuntos de governo (como a construção de uma estrada). Como o termo sugere, o Estado acaba se tornando um patrimônio de seu governante. Tal postura se instaurou na Europa pelos germanos que invadiram Roma. Os romanos tinham por característica a república, forma onde os interesses pessoais ficavam subjugados aos da república.

Os bárbaros que aos poucos foram dando forma ao Império decadente, tinham o Patrimonialismo como característica, onde o reino e suas riquezas eram transmitidos hereditariamente, de forma que os sucessores usufruíam dos benefícios do cargo, sem pudor em gastar o tesouro do reino em benefício próprio ou de uma minoria, sem prévia autorização de um senado.

Como forma de argumentação extremamente bem articulada, Raimundo Faoro, com base em Alexandre Herculano e em uma vasta gama de informações documentais e históricas, demonstra em seu livro que, tanto em Portugal quanto no Brasil, não houve o desenvolvimento de uma organização social compatível com o feudalismo; ao revés, estas formações sociais foram marcadas pela forte presença do Estado na vida dos indivíduos, demonstrando na tradição luso-brasileira marcas de uma evidente estrutura de cariz patrimonial. Ele cita:

“A coroa conseguiu formar, desde os primeiros golpes da reconquista, imenso
patrimônio rural (bens “requengos”, “regalengos”, “regoengos”, “regeengos”), cuja propriedade se confundia com o domínio da casa real, aplicado o produto nas necessidades coletivas ou pessoais, sob as circunstâncias que distinguiam mal o bem público do bem particular, privativo do príncipe [...] A propriedade do rei – suas terras e seus tesouros –
se confundem nos seus aspectos público e particular. Rendas e despesas se aplicam, sem discriminação normativa prévia, nos gastos da família ou em bens e serviços de utilidade geral .”


Já dizia Sergio Buarque de Holanda sobre o típico membro da elite detentora do poder político no País:

Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata, conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os
empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalece a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer as funções públicas faz-se de acordo com a
confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático.”


Inara Brito

Aluna da disciplina Cultura Brasileira
Sem. 2008.1

Um comentário:

Unknown disse...

Caros alunos

O tema do patrimonialismo é uma das questões mais sérias no Brasil. Raimundo Faoro e Sergio Buarque de Holanda, estao entre os principais estudiosos, na procura de identificar as raizes e fundamentos sociologicos que expliquem essa tendencia de apropriação do publico pelo ente privado. Trata-se de um fenomeno que continua vivo na politica brasileira. Cartoes corporativos, vôos com a sogra, uso de equipamentos públicos, apropriação indepta , sao apenas alguns exemplos. E voces o que pensam sobre o tema? como romper esse ciclo na cultura politica brasileira?
Saudações
Prof. Eduardo Neto