segunda-feira, 2 de junho de 2008

Carmem Miranda e a imagem do Brasil

Vejam importante matéria publicada no domingo, 01 de junho no caderno Vida & arte do Jornal O Povo.Traz uma análise da contribuiçao de Carmem Miranda para a construção da imagem do Brasil no exterior.

ARTIGO
Exportação.br
Alessander Kerber especial para O POVO
link:
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/793217.html

O pesquisador Alessander Kerber demonstra como Carmen Miranda contribuiu com a difusão de um Brasil exótico em meados do século XX.

Numa pesquisa de opinião pública realizada nos anos 1980, na Inglaterra, ao serem solicitados a indicar três coisas que poderiam ser associadas ao Brasil, uma das respostas mais freqüentes dos entrevistados foi Carmen Miranda. Tendo passado mais de 70 anos do início das turnês internacionais desta cantora e mais de meio século de seu falecimento, a imagem do Brasil construída por ela e vendida internacionalmente continua sendo uma das principais referências mundiais acerca da nossa nação. Carmen foi a cantora brasileira mais famosa dos anos 1930. Só para citar um exemplo deste sucesso, a música Tahi, lançada em 1930, vendeu 35 mil cópias em discos. Foi a maior vendagem da história do Brasil até aquele momento, quando músicas de carnaval de grande aceitação vendiam em torno de 5 mil. Importante destacar que Carmen foi a mais famosa artista brasileira em um momento privilegiado para que se tornasse símbolo nacional. A década de 1930 marca um momento de transformação na relação entre o Estado e a sociedade, especificamente com os segmentos populares.

Desde a Revolução de 1930, que coincide com a "explosão" de sucesso de Carmen, o Estado passou a estabelecer políticas de concessões aos segmentos populares da população. Entre estas concessões, destacam-se, em nível material, as leis trabalhistas, e em nível cultural, a ênfase na reconstrução de uma versão sobre a identidade nacional brasileira, na qual os elementos étnicos negro e mestiço passaram a ser valorizados pela política oficial. A figura da baiana, criada por Carmen, combina com a proposta de nação mestiça, especialmente entre a negra e a branca, que nela se fundem harmoniosamente, como propunha, na época, Gilberto Freyre. O pano da Costa, lembrando a herança africana, o Bonfim, que lembrava o candomblé, logo após o rosário de ouro, que lembrava a Igreja Católica. Enfim, a baiana seria uma representação que expressaria essa forma de síntese do Brasil. Uma síntese harmônica que representava as camadas populares brasileiras em convívio pacífico com as elites, diferentemente da figura do malandro, figura também muito presente no imaginário da época.

Parece ter havido uma resposta positiva no Rio de Janeiro e em diversas partes do país em relação à baiana que Carmen criara, tanto é que foi uma das figuras mais usadas no carnaval seguinte. O sucesso internacional da figura de baiana de Carmen foi um elemento que influenciou na legitimação desta como símbolo nacional. Porém, se não tivesse aceitação dentro do próprio país, ela não teria como se afirmar como nacional. Em nível internacional, também Carmen Miranda esteve em um contexto propício. O período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial é tido como momento de máxima afirmação dos nacionalismos em todo o mundo. Havia uma curiosidade internacional acerca das representações de cada nação e pouca ou nenhuma informação presente no imaginário social sobre diversos países. Coincidindo com o interesse internacional sobre as nações, houve a "Política de Boa Vizinhança", a nova relação internacional estabelecida a partir dos anos 30 entre os Estados Unidos e os países da América Latina na perspectiva de trocas culturais. Na prática, estas trocas foram, em sua maioria, uma via de mão única, de lá para cá. Carmen Miranda foi uma das poucas figuras a percorrer o sentido contrário.

Em 1939, Carmen foi descoberta pelo empresário norte-americano Lee Schubert e convidada a se apresentar nos Estados Unidos. Ela demonstrou interesse e declarou: "Todos os meus esforços concentram-se, pois, num objetivo: tirar partido disso, lançando de verdade a música brasileira nos Estados Unidos, como já fiz nas repúblicas platinas [...] Mostrar ao povo de lá o que é o Brasil na realidade, pois como você sabe, o juízo formado ainda é muito falso". A questão da "realidade" sobre o Brasil estava muito presente naquela época, sendo que as representações do país se confundiam com as do resto da América Latina. O Brasil, para se afirmar como nação, tinha que dela se diferenciar. Havia a tendência a transformar a América Latina numa unidade indistinta em suas manifestações culturais. O caso de Carmen Miranda foi, talvez, o ápice da concretização do que o imaginário de amplos setores da população brasileira esperava para demarcar a sua nacionalidade e justificar o valor de sua nação: sua maior cantora estaria entre as grandes nações do mundo, afirmando e demarcando a identidade nacional brasileira. Contudo, ao contrário do que ela possivelmente esperava, as informações que chegaram ao Brasil fizeram com que muitos se irritassem com sua atuação, questionando sua brasilidade e chamando a de "americanizada".

Quando voltou ao nosso país, em 1940, após o grande sucesso obtido nos Estados Unidos, em um show no Cassino da Urca, Carmen Miranda foi recebida com frieza. A palavra "cancelado" estava escrita em todos os cartazes do espetáculo. Sua resposta àquela má recepção veio em forma de canções. A mais clássica foi Disseram que voltei americanizada. Nela, ela defendia a sua nacionalidade a partir de uma série de metáforas, como a batucada, a língua portuguesa em detrimento da inglesa e o ensopadinho com chuchu, sem dúvida um prato que lembrava a cultura popular carioca. No mesmo ano, ela voltou para os Estados Unidos, onde se tornou a artista mais bem paga de Hollywood, atuando em uma série de filmes e retornando ao Brasil apenas pouco antes de seu falecimento, em 1955. Alessander Kerber é doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com a tese Representações das identidades nacionais argentina e brasileira nas canções interpretadas por Carlos Gardel e Carmen Miranda (1917-1940

Um comentário:

Bya Bss disse...

Aprendi muito com esse site, me ajudou no trabalho de história, a linguagem está otima e bem fácil de entender. Parabéns!